As veias potiguares do Rei do Baião
Yuno Silva – Repórter da Tribuna do Norte
Lula, Velho Lua, Bico de Aço, Embaixador Sonoro do Sertão e Gonzagão são alguns dos muitos apelidos que o eterno Rei do Baião, Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989), ficou conhecido. Referência obrigatória para quem quer contar ou conhecer a história da música nordestina, sua trajetória se confunde com a própria popularização do forró, do xote do xaxado e do baião. Personagem recorrente da literatura de cordel, sua figura inspira verso, prosa e cinema – o filme “Rei do Baião”, título mais que apropriado, está em fase avançada de produção e a previsão do diretor Breno Silveira é que seja lançado até o próximo mês de outubro.
Entre parceiros, compositores e amigos, Luiz Gonzaga gravou Janduhy Finizola, Severino Ramos e Elino Julião e carregou debaixo da asa muitos poetas e amigos potiguares.
Antes, porém, em setembro, a Sony Music planeja relançar toda a obra do pernambucano nascido em Exu há um século. Não por acaso, a reedição comemorativa do acervo vem sendo trabalhada pelo cantor, compositor e produtor musical potiguar Carlos André. O papel do mossoroense, radicado no Recife, foi crucial para a construção da imagem do Luiz Gonzaga que ficou marcada na memória da música brasileira. E não é só Carlos André que cruzou o caminho do mestre Lula, outros potiguares também fizeram parte dessa história de sucessos: Gonzagão foi parceiro de Elino Julião e Severino Ramos; e gravou Chico Elion, Henrique Brito, Zé Praxédi e Janduhy Finizola.
Para reconstruir essa relação de Luiz Gonzaga com o Rio Grande do Norte, bem mais estreita do que se pensa, a pesquisadora Leide Câmara, autora do Dicionário da Música Potiguar, deu algumas pistas. Vale registrar que a data oficial do centenário de seu nascimento será dia 13 de dezembro, mas as comemorações já começaram – em Natal e Recife, por exemplo, o São João será em homenagem ao Velho Lua.
Ligações diretas
“Tem muita gente daqui do RN ligada ligada à Luiz Gonzaga”, adiantou Leide Câmara. “Paulo Tito foi morar no Rio de Janeiro a convite dele; Carlos André, do antigo Trio Mossoró, produziu os discos que ajudaram no ressurgimento de Gonzagão nos anos 1980. Nos anos 1940, Gonzaga gravou versão instrumental da música ‘Queixumes’, do violonista natalense Henrique Brito feita em parceria com Noel Rosa no Rio de Janeiro, pois o sotaque nordestino não era bem visto na época”, enumerou a pesquisadora.
Paulo Tito contou que conheceu Luiz Gonzaga “pra valer” em 1954. Tito já estava morando no Recife e trabalhava na Rádio Jornal do Commercio quando o Rei do Baião foi participar de um programa na capital pernambucana. “Ele estava com o grupo desfalcado e me ofereci para substituir o zabumbeiro. Como eu também cantava fez o convite para ir para o Rio. Quando dei fé, dias depois, recebi um telegrama reforçando o convite. Cheguei no Rio de Janeiro bem no dia do aniversário dele, 13 de dezembro, e quem foi me buscar no aeroporto foi a esposa Dona Helena, que quando me viu, baixinho e sem pescoço, logo reconheceu”, brinca o senhor de 83 anos e ainda com a voz em plena forma.
Paulo Tito passou uma temporada de dois meses na casa de Luiz Gonzaga e acabou morando por 26 anos no RJ – está em Natal desde meados dos anos oitenta a pedido da mãe. “Em casa ele era um moço da cidade, polido, educado, tenho muitas histórias com ele, imitava o jeito dele falar e cantar”, disse Tito, sem perder a oportunidade de imitar Gonzagão.
No Rio, Tito gravou discos solo, foi gravado por nomes como Cauby Peixoto e Elis Regina, e atuou como produtor musical – inclusive assinou a produção e os arranjos do álbum “Sertão 70″ do mestre. “Não dava para trabalhar com ele, viajava demais: amanhecia no Rio, tomava café no Recife e almoçava no Ceará, o homem não parava no lugar”, lembra o potiguar, que foi violonista da cantora Maysa por muitos anos.
Um potiguar no recomeço
Entre 1974 e 1983, a música de Luiz Gonzaga estava em baixa, estava para ser demitido da gravadora RCA quando o mossoroense Carlos André entrou em cena. “Trabalhei com ele desde 1960, quando o Trio Mossoró acompanhava Luiz Gonzaga nos shows, mas como eu também era sanfoneiro meus irmãos, João Mossoró (zabumba) e Almerinda (triângulo), que viajavam mais”, lembrou André.
Carlos André lembrou que, em 1983, foi convidado pelo presidente da gravadora RCA para uma reunião e ficou sabendo que o amigo iria ser dispensado pois há quase uma década ia mal nas vendas. “Disse que dava para contornar a situação, que ia produzir os discos de Luiz Gonzaga, disse que ele fora da praia dele gravando com orquestras e que deveria voltar às origens. Passei mais de uma hora para convencer o presidente a dar uma nova chance”.
O potiguar produziu os discos “Danado de bom” (1984), “Luiz Gonzaga & Fagner” (1984), “Sanfoneiro macho” (1985), “Forró de Cabo a Rabo” (1986) e “De Fiá Pavi” (1987), álbuns que reúnem sucessos que imortalizaram Luiz Gonzaga. “Foi um sucesso atrás do outro. Era uma honra produzir esses discos, principalmente por que comecei imitando Gonzagão. Ele foi meu padrinho de casamento em 1963″.
Atualmente Carlos André trabalha com Fagner no relançamento de todo o acervo de Luiz Gonzaga. A previsão é que os discos cheguem às lojas em setembro, junto com CD de outros artistas que também regravaram Gonzagão e um DVD com depoimentos do próprio artista.
Conexões locais com o Rei do Baião
- Amigos: Paulo Tito (Natal) e Carlos André (Mossoró)O primeiro (foto), foi para o Rio de Janeiro a convite de Luiz Gonzaga, após ter substituído o zabumbeiro da banda, no Recife, em 1954.
Já Carlos André, do antigo Trio Mossoró, produziu os discos que ajudaram no ressurgimento de Luiz Gonzaga nos anos 80.
- Compositor: Janduhy Finizola da CunhaMédico de Jardim do Seridó, Janduhy Finizola, 81 anos, conheceu Gonzaga em um hospital de Campina Grande (PB), quando estava de plantão e atendeu o Velho Lua. Gonzaga gravou várias músicas do médico, entre elas “Jesus Sertanejo”, “A Missa do Vaqueiro”, “Ana Maria”, “Cidadão de Caruaru”, “A Nova Jerusalém” e “Frei Damião”.
- Compositor: Henrique Brito (1908-1935)Natalense, o violonista e compositor Henrique Brito mudou-se para o Rio de Janeiro ainda na década de 1920. Com o parceiro Noel Rosa criou a música “Queixumes”, primeira composição de um potiguar gravada por Luiz Gonzaga em 1945 (versão instrumental). Brito é tido como o inventor do violão elétrico.
- Poesia: José Praxedes Barreto (1916-1983)O escritor e poeta Zé Praxédi, nascido em Cerro Corá, lançou, em 1952 no Rio de Janeiro, a primeira biografia sobre Luiz Gonzaga – “Luiz Gonzaga e outras poesias”, escrita em versos matutos com prefácio de Câmara Cascudo. Também cantor e compositor, lançou o LP “O poeta vaqueiro” em 1967.
- Parceiro: Elino Julião da Silva (1936-2006)Cantor e compositor de Timbaúba dos Batistas, Elino Julião está na lista dos compositores gravados por Luiz Gonzaga. Julião começou sua carreira artística na década de 1950, interpretando músicas de Jackson do Pandeiro – de quem foi parceiro na década seguinte. Morou no Rio de Janeiro e fez bastante sucesso nos anos 1960 com a já clássica “O rabo do jumento”, sua primeira gravação solo.
- Compositor: Francisco Elion Caldas Nobre
Chico Elion, 82, é autor da célebre “Ranchinho de paia”. Composta em 1952, a música foi eternizada pela voz de Luiz Gonzaga em 1981, no disco “A festa”. Nascido em Assu, Elion estreou como cantor aos 18 anos no Rio de Janeiro, gravou seu primeiro álbum solo em 1955, “Chico Elion & vozes amigas” (78 rpm), e tem mais de 400 músicas – muitas ainda inéditas.
- Parceiro: Severino Ramos (1922-2003)
Autor do sucesso “Ovo de codorna”, gravado em 1972 por Luiz Gonzaga no disco “Aquilo bom!”, o caicoense Severino Ramos começou sua carreira de compositor aos 28 anos. Embora tenha nascido no RN, foi registrado em Campina Grande (PB). Em 1951 seguiu para o Rio de Janeiro, onde consolidou parcerias com Jackson do Pandeiro, Elino Julião e Luiz Gonzaga.
* Colaborou Leide Câmara, com informações catalogadas no Dicionário da Música Potiguar
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